Bancos públicos alemães estão à beira do colapso
by Wolfgang Reuter
25 Febbraio 2008
Mas em caso de quebra de um banco público, as conseqüências seriam desastrosas para toda a economia
Ingrid Matthäus-Maier, membro do Partido Social-Democrata (SPD) de centro-esquerda e presidente-executiva do banco público KfW, está sem dúvida em uma das faixas salariais mais altas da Alemanha. Apesar de seu salário anual de 418 mil euros ser substancialmente mais baixo do que o de seu par no Deutsche Bank, Josef Ackermann, que ganha 13 milhões de euros por ano, o salário dela é duas vezes maior do que o da chanceler alemã Angela Merkel, que precisa se virar com meros 200 mil euros.
Isto é bom para Matthäus-Maier. Uma advogada por profissão e que atuou por muitos anos como especialista financeira para o SPD, ele não seria capaz de ingressar no conselho diretor de um banco privado em 1999, o ano em que ingressou no conselho do KfW -ela carecia da experiência no setor bancário necessária por lei. Mas o KfW não está sujeito às mesmas regulamentações que os outros bancos, o que explica o motivo de Matthäus-Maier não dever explicações aos auditores do governo -nem mesmo agora, após as recentes acusações públicas de que atuou mal na crise do IKB.
Como presidente do KfW, Matthäus-Maier é uma grande acionista do IKB, o banco com sede em Dusseldorf que está à beira da falência e que está sendo socorrido por uma ajuda do governo que já chega a bilhões. A semana passada foi marcada por uma crise atrás da outra, mas a teimosa banqueira pública tinha mais do que o futuro do IKB na sua cabeça. De fato, ela parecia mais preocupada com seu contrato de trabalho e se ele seria renovado. Suas exigências provocaram uma reação irritada do chefe do conselho supervisor do KfW, o ministro da Economia, Michael Glos, assim como de outros presentes nas reuniões.
Homem passa diante da entrada da sede do banco WestLB em Düsseldorf
Dois dias depois, foi anunciado que o ex-presidente-executivo do IKB, Stefan Ortseifen, poderia contar com uma aposentadoria principesca de 31 mil euros por mês -uma demonstração de apreço por seus fracassos. Ortseifen, após investir bilhões no setor de hipotecas subprime americanas de alto risco, insistiu que as "incertezas no mercado hipotecário americano (...) praticamente não teriam nenhum efeito" nos investimentos do IKB. Poucos dias depois, o IKB estava à beira da falência, com seus investimentos americanos supostamente maravilhosos valendo pouco mais do que o papel em que foram impressos.
E os bancos alemães não são os únicos duramente atingidos pela crise do subprime. No Reino Unido, o governo anunciou nesta semana que planeja nacionalizar temporariamente o problemático banco Northern Rock até que as condições do mercado melhorem. O banco enfrentou dificuldades no ano passado em decorrência do arrocho global no crédito e foi forçado a pedir socorro ao Banco da Inglaterra. A Câmara dos Comuns aprovou uma legislação de emergência para nacionalizar o banco na madrugada de quarta-feira, e o projeto de lei deveria ser aprovada pela Casa dos Lordes (Câmara Alta) até o final da semana.
Amadorismo e Ganância
Ortseifen e Matthäus-Maier são exemplos perfeitos da mistura fatal de amadorismo, ganância e proteção política que são sintomáticos em muitos dos bancos públicos ou semipúblicos da Alemanha. É um ambiente que só pode prosperar à sombra do Estado -e que drenou mais de 20 bilhões de euros do tesouro público na última década.
Até agora, o governo sempre estava presente para pagar a conta no final. Cientes desta rede de segurança, os executivos dos bancos públicos apostavam com os ativos de seus empregadores como se não houvesse amanhã. O BayernLB, com sede em Munique, o fez com ações em Cingapura, o Bankgesellschaft Berlin com investimentos em imóveis, o WestLB com participações acionárias em empresas britânicas.
Qualquer um que não precisa arcar com as conseqüências dos riscos que assume pode facilmente se tornar um apostador. E as apostas continuaram aumentando nos últimos anos, colocando mais e mais bancos públicos em risco financeiro. Agora os bancos se vêem carentes dos ativos que necessitam para suportar a turbulência da crise financeira internacional.
O banco KfW de Matthäus-Maier já teve que fornecer ao IKB perto de 5 bilhões de euros em três tentativas de ajuda. Com o KfW gradualmente ficando sem dinheiro, o governo federal agora tem que contribuir com 1,9 bilhão de euros adicionais.
O Estado da Renânia do Norte-Vestfália injetou 1 bilhão de euros no WestLB, outro banco público, assim como forneceu ao banco em dificuldades 3 bilhões adicionais em garantias de empréstimos. A situação é ainda pior na Saxônia, onde o Estado emitiu 2,73 bilhões em garantias de empréstimos ao Sachsen LB, o Landesbank daquele Estado, como os bancos públicos regionais alemães são conhecidos. Os outros bancos públicos estão fornecendo 14 bilhões de euros adicionais em garantias. O HSH Nordbank, com sede em Hamburgo, precisa urgentemente de 1 bilhão de euros em capital novo, enquanto o BayernLB informou na semana passada uma redução de valor contábil de ativos de 1,9 bilhão de euros em conseqüência da exposição ao subprime. O BayernLB anunciou na terça-feira que o presidente-executivo do banco, Werner Schmidt, deixará o cargo em 1º de março em decorrência da crise.
A situação para os bancos públicos da Alemanha se tornou tão dramática que ameaça derrubar aquele que é um dos pilares chave do sistema bancário do país. Os bancos públicos devem supostamente ajudar uns aos outros quando necessário, mas o problema é que muitos deles estão em dificuldades e dificilmente em posição de ajudar seus pares. E as coisas podem piorar ainda mais.
Se um gigante do setor como o WestLB for forçado a ficar de joelhos -o que quase aconteceu há duas semanas- pelo menos dois outros bancos públicos e uma dúzia de associações de poupança e empréstimo cairiam junto com ele. Os bancos membros do Sparkassen-Finanzgruppe (grupo dos bancos de poupança alemães) estão estreitamente interligados e são obrigados a socorrer uns aos outros -desde que estejam em posição de fazê-lo, é claro. A quebra de um grande banco público como o WestLB inevitavelmente afetaria os clientes corporativos, até mesmo forçando alguns à falência.
É um cenário de pesadelo que a autoridade de supervisão financeira do governo agora acredita ser altamente provável. Os bancos do setor público da Alemanha especularam bem mais do que os bancos privados em títulos hipotecários subprime. Agora os executivos sitiados destes bancos estão pedindo que os governo os salve do desastre que causaram.
É uma situação paradoxal, porque o governo, respondendo à pressão de Bruxelas, foi obrigado a retirar sua garantia de proteção aos bancos públicos a partir de julho de 2005. De lá para cá, ele só é responsável por riscos incorridos antes dessa data.
As conseqüências da mudança foram devastadoras para os bancos públicos, que repentinamente viram seu modelo de negócios ser arrancado de sob seus pés. Nos dias de apoio do governo, eles podiam tomar empréstimos a juros mais baixos, o que por sua vez lhes permitia oferecer empréstimos a juros mais baixos que seus concorrentes privados. Mas essa vantagem acabou em 2005.
Em dificuldades para obter fundos, muitos bancos públicos começaram a especular com títulos de alto risco. Segundo um ex-executivo de banco, muitos "literalmente se encheram destes investimentos" pouco antes da data do fim da garantia do governo. Outros continuaram fazendo isto mesmo depois da data final. Carentes de um modelo de negócios funcional, eles recorreram ao que basicamente seria uma aposta -e perderam.
Os bancos alemães duramente atingidos agora estão tentando desesperadamente salvar sua pele. A situação é mais dramática no IKB, com sede em Dusseldorf, o primeiro banco alemão a quase ser levado à falência pela crise imobiliária americana. Na semana retrasada, de novo, o capital do IKB quase desapareceu no ar. Jochen Sanio, presidente da BaFin, a agência supervisora do setor bancário alemão, ameaçou fechar o banco na sexta-feira (15/02) a menos que conseguisse levantar 1,5 bilhão de euros. Mas o KfW, o maior acionista do IKB, não estava mais em condição de socorrer o banco de Dusseldorf sem colocar em risco sua missão oficial, que é de apoiar as empresas de pequeno e médio porte.
No final, o governo federal e bancos privados ofereceram os fundos para o socorro. Para o ministro das Finanças, Peer Steinbrück, era crítico impedir a quebra do IKB. A falência de um banco com um rating de crédito elevado provocaria uma perda de confiança sem precedente no mercado financeiro alemão. Além disso, vários outros bancos contavam com depósitos no IKB no valor total de 18 bilhões de euros.
"A questão aqui é de escolher entre o mal menor e o que é menos prejudicial para a economia", explicou Steinbrück na reunião da última quarta-feira do conselho supervisor do KfW, pouco antes do banco decidir socorrer o banco mais uma vez. Na sexta-feira (15/02), o Ministério das Finanças justificou a injeção financeira em uma carta ao comitê orçamentário do Parlamento alemão, o Bundestag: "Caso contrário, poderíamos ver efeitos imensos no setor bancário, com os efeitos correspondentes na economia real".
Pouco tempo depois, era o WestLB que estava quase arruinado pela crise das hipotecas subprime americanas. Em uma reunião de emergência há duas semanas, as duas associações de poupança e empréstimo na Renânia do Norte-Vestfália que são donas de metade do WestLB tiveram que reconhecer que eram incapazes de levantar 1 bilhão de euros em novo capital para o banco em apuros. Elas insistiram que cabia ao Estado cobrir outros 3 bilhões de euros em riscos.
Mas o Estado recusou, argumentando que os bancos de poupança se recusaram a dar suas ações no WestLB como garantia ao Estado em troca dele assumir o risco, assim como recusaram o ingresso de um investidor privado. Os dois lados se viram envolvidos em negociações tensas, até que Axel Weber, o presidente do banco central alemão, o Bundesbank, interveio.
Weber provou ser persuasivo. O Köln-Bonner Sparkasse, um banco de poupança, contava com 340 milhões de euros em depósitos no WestLB, que seria forçado a dar baixa em caso de quebra do banco. Em outras palavras, argumentou Weber, a quebra do WestLB colocaria o Köln-Bonner Sparkasse em sério risco, assim como pelo menos três outros bancos de poupança na Renânia do Norte-Vestfália.
Se isso acontecesse, os clientes corporativos dos bancos afetados poderiam acabar sem acesso ao seu dinheiro por semanas, talvez meses. Apesar do fato dos depósitos dos clientes serem garantidos, qualquer insolvência bancária é precedida de uma moratória em todas as transações bancárias. Isto, argumentou Weber, levaria a mais falências, especialmente considerando que os demais bancos de poupança na Renânia do Norte-Vestfália, como reconheceu o presidente da associação deles, teriam dificuldade em atender as exigências de liquidez da economia local, por já contarem com um total de 43 bilhões de euros em empréstimos ao WestLB em seus livros. Além disso, muitos desses bancos também investiram em títulos hipotecários subprime americanos, que também terão que dar baixa em seus livros. A associação de banco de poupança Westphalia-Lippe, por exemplo, investiu 100 milhões de euros em títulos que provocaram a crise financeira mundial.
As autoridades envolvidas pintaram cenários sombrios. O que aconteceria se os clientes sacassem em massa seus depósitos nos bancos de poupança? E o que aconteceria se a insolvência do WestLB levasse a dificuldades em outros dois bancos públicos, o HSH Nordbank e o BayernLB? Como isto afetaria a Baviera e Hamburgo, onde ficam as sedes dos bancos? O sistema de bancos públicos seria capaz de sobreviver à quebra de três bancos públicos? Isto poderia levar ao colapso de toda a economia, o que afetaria as taxas de crescimento, o desemprego e, no final, o bem-estar da sociedade por muitos anos? No final, os participantes estavam tão abatidos que concordaram com um meio-termo.
Há seis meses, Jochen Sanio, o presidente do BaFin, foi altamente criticado quando alertou sobre a "pior crise financeira desde 1931". Mas agora muitos políticos estão convencidos de que a situação é bem mais séria do que presumiam.
Em um esforço para enfrentar a crise de frente, Jürgen Rüttgers, o governador da Renânia do Norte-Vestfália, pediu ao ministro Steinbrück que convocasse uma mesa redonda com todas as partes envolvidas, para que pudessem discutir a questão e chegar a algum tipo de solução.
Os Estados ainda podem reestruturar o setor de bancos públicos -permitindo acionistas privados minoritários, por exemplo, ou fundindo bancos. Se uma quebra ocorrer, terceiros ditarão as condições. Haverá vendas abaixo do preço, como ocorreu na Saxônia, com preços significativamente desfavoráveis.
Mas Steinbrück está hesitante. Ele disse recentemente aos conselheiros que se ceder às exigências de Rüttgers, ele poderia acabar "atolado" nos problemas. Também há pedidos crescentes de socorro federal aos Estados e de ajuda para que resolvam seus problemas. Mas isto é algo que Steinbrück aparentemente não está disposto a considerar.
O ministro também tem outras coisas em sua agenda -o contrato de sua companheira do SPD, Matthäus-Maier, por exemplo, que não será renovado, mas também não expirará antes de meados de 2009. Só aí outra pessoa assumirá o comando do KfW -e essa pessoa será indicada pelos democratas-cristãos de Angela Merkel.
by Wolfgang Reuter
Source > Der Spiegel